quinta-feira, 28 de setembro de 2017

cortina de fumaça sobre o sol que escapa
pelas horas, pelos dias, no fim da rua
nas esquinas da cidade turva
em qualquer direção ela é seu próprio mapa

o sol não seria igual sem sua fuligem
ou Florianópolis sem essa carapaça
a cara dos que passam já se esbrua
exatamente na velocidade em que surgem
nesse mundo em preto-e-branco
não aparecem roupas coloridas
olhos verdes, castanhos
nem profundas perspectivas
meu espírito eu espanco
já sem nenhuma confiança
que se ilumine franco
e me tire pra uma dança

homens são pretos ou brancos
mulheres têm som de tamancos
e crianças por enquanto... 
são crianças
o carvão é preto e o gelo, branco
e cor-de-cinza, a esperança

é preciso aguentar o tranco
o país cai no barranco
o futuro é opaco e tanto

a vida em preto-e-branco
eu sentado nesse banco
ela mesma passa...
                                     em branco

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Basta tirar o que está sobrando da pedra
é o simples trabalho de lhe aparar as arestas
são sentenças que encerram questão mais profunda
que a discussão da falta ou excesso de modéstia

Tu podes querer dizer o que é bom e o que não presta
Mas vais deixar as pistas de quem és a quem enxerga
Juízo, bom juízo, enganos ou mentiras
desdigo o que foi dito ¿Que verdade seja dita?
Mas ao cara que talha com as mãos honestas
às vezes se revelam os segredos da matéria

Moisés, de Michelângelo
De nada adianta temer o tempo
a vida tem vida própria
a gente se esquiva da roda
que a gente põe em movimento

indiferente a qualquer desejo
como a alegria que nos tem abandonado
ou melancolia desfeita com desprezo
incontrolável como o próprio acaso

mas é preciso que lutemos
contra aquilo que uns chamam de deus
também contra nós mesmos
contra o tempo, por esta vida que não se deu

Há no tempo uma espécie de ciclo
O coração se rendendo
ao desapego contínuo

Não se conta em número
ou em felicidade
Então creio que tudo
respeita a validade
dessa coisa que muda
Impenetrável, surda
do que é feito o mundo

Não é o relógio que o move
mas registra sua passagem
através de uma estrita lógica
Por mais que a gente olhe
é tão difícil que se saiba
se essa máquina misteriosa
poderá ser vista à sua hora

enquanto a busca nos entretém
sem grande anseio de ninguém
por uma Compreensão sem palavras

Não se culpa o relógio
quando vem a boa sorte,
por ser a via da vida,
mas pela chegada da morte

Então pra quê temer o tempo?
se é quase o mesmo que a vida
de alguma forma como o vento
ele, às vezes, também vira

De nada adianta temer o tempo
a vida tem vida própria
a gente se esquiva da roda
que a gente põe em movimento